Raí escreve sobre a Libertadores de 92
Raí escreveu um depoimento exclusivo para o Globoesporte.com, contando como foi o dia da conquista da primeira Libertadores da América.
Confira aqui o texto, e para ver a matéria na íntegra, acesse: www.globoesporte.com.
Por Raí:
“Dezessete de junho de 1992. Acordo, como sempre em dia de jogos, por volta das 11h. Desta vez, por motivos óbvios, fui dormir mais tarde que o normal. Imagens de uma noite que poderia entrar para história se antecipavam em minha mente.
Tínhamos um grupo amadurecido por derrotas passadas, fortalecido por ensaios incansáveis e determinado como todo grande vencedor. Contra o Newell’s Old Boys, esperávamos um jogo duro, duríssimo, depois da derrota de 1 a 0 no jogo de ida, mas algo nos dizia que este era o nosso dia. A segurança vinha de uma relação construída por anos. Nada que se consiga em semanas.
Depois de despertar de uma preguiça tranquilizadora, na certeza que toda energia possível havia sido reabastecida, vou ao banho despertador. O aquecimento de um grande espetáculo começava ali. Em meu ritual de guerra, começo com água morna e, pouco a pouco, vou esfriando a água, até chegar a sensação de um choque térmico.
Naquele momento vem o aviso, do consciente para os músculos, que naquele dia algo raro vai se passar. Que as primeiras contrações não venham apenas para se movimentar, mas principalmente para se superar. Olho no espelho, e me aprofundo em concentrar que tudo que vem a partir dali é rumo à final, rumo a um final.
Saio do quarto e cruzo companheiros que reforçam meu pensar, e que se fortalecem com minha introspectiva cumplicidade. A expressão que ecoa no ar é… “É Hoje!!!”
No almoço, não se alimenta, se armazena! Nada além do que possa ser demasiado. Assuntos vagam, sobre o jogo, a vida e amenidades, mas a atenção/tensão já tem destino. Palavras vêm e vão, mas tudo resta superficial, nada pode abalar ou desviar o/do alvo.
Lembro de um dirigente me contar que o São Paulo havia perdido sua única chance (1974), até então, de ser campeão da Libertadores, principalmente porque um jogador tinha perdido um pênalti.
A decisão é à noite, o dia é longo, os minutos compridos, vem uma mistura contraditória de “que venha logo” com “quero mais para estar melhor”.
Na preleção, o Mestre nos relembra alguns detalhes do adversário, mas sobretudo do nosso arsenal de possibilidades. Mas na certeza que tudo já tinha sido devidamente trabalhado, nos conforta com histórias de sua vida profissional e curiosidades da profissão. Em uma mistura de tesão/motivação, com maturidade de momentos decisivos vividos.
Foto: Célio Junior / Agência Estado
Reprodução Globo.com
No caminho ao estádio, a magia do rugido da massa. O tricolor se transforma em sangue, o símbolo em brasão, e a energia da torcida parece nos carregar. O frisson do ambiente criado pelos aficionados causa uma espécie de ebulição.
O vestiário é nosso templo, ali se via olhos em brasa, sonhos em gestos, companheirismo em saudações. Momentos antes de entrar em campo, mensagens dos líderes e gritos de guerra dão o toque final.
A dificuldade da partida se prolonga mais que o programado, o tão sonhado gol libertador não chega no período esperado. O jogo entra no último quarto de hora, indefinido. É chegada a hora de puro coração, do inesperado, do forçado, de assumir todos os riscos, mais nada a perder. Nessa hora é que se viu o quanto a equipe era madura. Tentamos o tudo, sem nos expor ao nada.
E no desespero dos argentinos com tanta obstinação , nosso talismã, Macedo, é puxado dentro da área. Pênalti. A massa, de quase 110 mil pessoas, vai à loucura. Todos os companheiros comemoram. O único a não comemorar sou eu. O batedor.
Naquele momento em que peguei a bola, depois de alguns incentivos amigos, o mundo se fechou. Ali era eu, ele, o goleiro, e o destino de um clube, de uma geração.
Com uma trilha sonora ensurdecedora, me preparo. Quando dou alguns passos para trás, percebo que o barulho da euforia se transforma em um quase silêncio da expectativa. Corro para a bola, na certeza de ter feito tudo para estar pronto para aquele momento. E com toda confiança de meus companheiros, marco. GOL…
Nem comemoro. Vou em direção à bola, brigo como um leão faminto para recolocá-la em jogo. Sabia que havia um grupo vencedor, pronto para ser campeão da América, que era uma questão de tempo. Não tivemos tempo suficiente para matar ali, precisávamos da disputa nos pênaltis.
Quando os cinco batedores foram escolhidos, o Telê perguntou quem seria o primeiro. Sem titubear, respondi que seria eu. Ele ainda insistiu: “Mas você acabou de cobrar um”. E respondi: “Pode deixar”.
Depois foi uma questão de saber quantas cobranças o Zetti pegaria. O homem que nos garantiu tantas vezes iria nos levar ao título.
Depois da vitória sacramentada, a invasão se transformou em um dos momentos mais marcantes do futebol brasileiro! Uma grande comunhão entre nós e aqueles que tiveram papel decisivo.
Mais que uma grande comemoração, acontecia uma premonição, que ali era apenas o começo de muitas glórias internacionais.”
12 Comentários
E eu chorei de muita emoção!!!
É de emocionar essas palavras do rei do Morumbi, essa data nunca será esquecida para nós. Obrigado Raí pelas glórias que você nos deu.
Raí, o terror do Morumbi.
O silêncio no Morumbi, na hora em que o Rei Raí foi pra cobrança de penalti, foi ensurdecedor.
Muito obrigado por tantos títulos, tantas glórias mas principalmente pelo seu amor a camisa mais bonita do mundo.
Você e Zetti são os principais responsáveis por eu ter tanto orgulho de falar que sou São Paulino.
Sangue tricolor nas veias e ali foi o começo de tudo.
Texto magnifico, que toca todo coração de um São Paulino.
Cada linha que lia, me lembrava dos meus momentos, a preparação o translado, a chegada, a angustia, a vontade, os gritos, a respiração, o suor, as lagrimas. Tudo por um amor eterno, que transcede tudo.
Obrigado por existir, obrigado por tudo.
Do fundo do meu coração.
Abraços tricolores
Rogerio e Rai Bello
Foi um jogo emocionante,uma grande adrenalina p os jogadores e comissão técnica imagina p um garoto de 11 anos na frente da televisão prestes a comemorar o titulo tao almejaddo por um clube a “Libertadores” k dps se repetiria por mais 2 vezes a k tive o imenso prazer d acompanhar todos os titulos lembrança k nunca sairão da minha memoria por isso tenho o prazer e a honra de ser um torcedor do melhor time do Brasil o “São Paulo”
Sem dúvidas foi um momento inesquecível, ver o Tricolor campeão da América pela primeira vez e aqulela multidão de torcedores comemorando o título!
Aquele time entrou para a história ao colocar o nome do SPFC na Taça Libertadores da América.
Lindo e empolgante, memorável esta vitória, a primeira dos nossos três títulos e de muitos que com certeza virão. Abraço terror do Morumtri.
… “no caminho ao estádio, a magia do rugido da massa. O tricolor se transforma em sangue, o símbolo em brasão, e a energia da torcida parece nos carregar. O frisson do ambiente criado pelos aficionados causa uma espécie de ebulição”.
Simplesmente Fantástico! Time Inesquecível! Dia Inesquecível! Título Inesquecível!…
É de arrepiar
Fantástico! Surpreendente! 20 anos depois ainda admiro esse craque. Me emocionei! Parabéns Raí!
Raí vc é unyco, eterno camisa 10… Que este texto sirva de inspiração e motivação para quem hoje defende esta linda história, hoje falta esta comunhão em nosso time, parabéns por toda dedicação e amor ao clube, sou muito seu fã e me tornei São Paulino nesta época, ainda criança quando comecei a me interessar pelo futebol…
Obrigado, Raí!
Obrigado por ser o meu primeiro herói. Obrigado por me dar a oportunidade de ter visto o talento e carisma que poucos jogadores tiveram.
Obrigado pelo gesto feito na comemoração de seus gols, na qual imitei muitas vezes nas peladas de infância.
Obrigado pelos 3 gols na final do paulistão de 91.
Obrigado pelos tentos de barriga e de falta contra o Barcelona.
Obrigado pelo retorno da França, na semana de decisão do paulista de 98. Obrigado pelo gol de cabeça sem precisar sair de chão, logo no início do jogo.
Obrigado pelo GOL DE LETRA contra o Palmeiras, no Palestra Itália, na Copa do Brasil de 2000. Com a camisa do São Paulo, aquele foi o último. Foi a melhor maneira de representar o craque que tive o prazer de ver desfilar em campo. Técnica, elegância e inteligência, quesitos que resumem com perfeição o excelente atleta que foi.
Obrigado por fazer com que eu guarde até hoje a camisa 10 de 1992 (IBF), que ganhei com 7 anos, e tratá-la como relíquia.
Da mesma forma que o mestre Telê sorriu após o gol antológico no Zubizarreta, eu também o faço cada vez que vejo ou me recordo daquele momento.
Obrigado, Rei Raí, o eterno terror do Morumbi!
JORGE JUNIOR